UFBA 50 ANOS Comemoração do Cinqüentenário da Universidade Federal da Bahia “A Visão do Estudante”-artigo de 1996

13/03/2012 15:40

UFBA 50 ANOS

Comemoração do Cinqüentenário da Universidade Federal da Bahia

 

“A Visão do Estudante”

 

 

         Falar sobre a visão do estudante da UFBa neste cinqüentenário é um desafio, até porque nosso interesse é muito mais apontar para o futuro, descobrindo caminhos de saída para a crise que assola não somente a UFBa, mas a sociedade Brasileira. O desafio também está em estimular uma comunidade a se repensar, a se movimentar, especialmente num momento de crise de utopias e projetos e de busca de novos sonhos. Dividirei a nossa visão em: a Visão cultural e de vivência, a visão educacional-política e a visão da crise de projeto.

 

         Quando o estudante entra na UFBa ele fica atordoado. Somos tão bombardeados pela indústria do vestibular, que nos adestra para passar neste exame, que pouco se vê no segundo grau do que é realmente a universidade. Aprende-se como passar nos labirintos das questões de múltipla escolha do vestibular, mas a maioria de nós estudantes pouco sabe sobre o curso escolhido, onde fica sua faculdade, quem são os professores.

 

         Dando seguimento a esta dispersão, não existem espaços de convivência. Não há troca de experiências e divulgação da produção da pesquisa, da extensão e da arte e cultura. Não há espaços de comunicação desta produção entre os estudantes, e não há efervescência cultural na UFBa. A UFBa, através de suas Escolas de Arte, tinha se configurado como centro cultural da cidade de Salvador desde a década de 1950. Era centro de discussões políticas, de agitação pelas reformas de base e referência importante do movimento estudantil no Brasil. Basta que se lembre o 1* Seminário de Reforma Universitária que produziu a “Carta de Salvador”. Hoje vai-se à Universidade como se vai ao supermercado para adquirir algum conhecimento e depois se volta para casa. Por outro lado, o estudante hoje é o estudante-trabalhador, que precisa trabalhar para se sustentar em grande parte dos casos, fazendo com que se passe menos tempo na universidade. O Restaurante Universitário foi fechado em 1989 justamente com o interesse de não permitir este encontro. O espaço universitário se fragmenta, bem diferente da convivência universitária de décadas passadas.

 

         Compondo este quadro, vemos as manifestações dos estudantes que lutam pela universidade e educação pública e gratuita e contra a privatização paulatina. Em conjunto com a Reitoria da Universidade, denunciamos à sociedade a situação de penúria que o governo deixa o ensino de terceiro grau. Na verdade, em 1990 a UFBa tinha 4,9% e 4,3% do seu orçamento para pesquisa e investimento de capital respectivamente; em 1993 tinha 0,01% e 3,9%. Em 1995, chegamos em setembro com atrasos nas contas de água, luz e telefone. Devido às aposentadorias e a não abertura de vagas para concurso, vários departamentos foram reduzidos à metade e mais de 20% dos professores na UFBa hoje são substitutos (temporários).

 

         Esta política para o ensino superior não está dissociada do modelo de desenvolvimento que o governo tem. É um modelo que aprofunda a exclusão social, com índices crescentes de desemprego, de acordo com índices do próprio governo. Também é um modelo que prioriza a “estabilização econômica” pelo via cambial, aumentando a dívida interna. Em 1991, esta dívida era de onze bilhões de dólares; no início do atual governo era de 62 bilhões; hoje ela é de 127 bilhões. As privatizações anunciadas como geradoras de recursos para tapar este rombo foram somente de 13 bilhões.

 

         Ou seja, a crise fiscal ( falta de recursos da União ), que é apontada como causa da falência da educação superior e justificativa da cobrança de mensalidades e privatização da universidade não foi causada pelos gastos sociais, mas sim pela política econômica. É bom que fique claro que esta “carência de recursos” não atingiu a ajuda aos bancos com o PROER, que somente na ajuda de mais de cinco bilhões ao Econômico despendeu o suficiente para as universidade federais. Nem tampouco a política econômica de austeridade evitou a federalização da dívida do município de São Paulo ( três bilhões ) à ocasião da votação da Reforma da Previdência na Câmara. São dados de conhecimento publico pela mídia impressa e televisiva de todo o país, que todo mundo já sabe.

 

         O perfil sócio econômico dos estudantes nas universidades federais é apontado como justificativa para a privatização. Será que os estudantes destes instituições são realmente ricos? Não. Segundo dados de 1994 do Fórum de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis e Comunitários, 24,58% dos alunos  das federais tem menos de 1 salário mínimo per capta na família; 48,95% tem entre 1 e 2 salários mínimos per capta; somente 26,47% pertencem a famílias com elevada condição sócio-econômica. No caso da UFBa, estes números são respectivamente 30%, 50% e 20%.

 

         Além desta crise das condições mínimas de ensino e funcionamento da UFBa, existe a CRISE DE PROJETO da Universidade. A saída para esta crise de projeto é a construção de uma UNIVERSIDADE CIDADÃ, na concepção defendida por Cristóvam Buarque, ex-Reitor da UNB.

 

         Esta universidade tem que compreender as intensas transformações por que passa o mundo hoje. A produção está cada vez mais dependendo de informação e mão-de-obra qualificada e menos de mão-de-obra e de matéria-prima baratas. Estas inovações científicas e tecnológicas podem servir para aumentar o tempo livre, o nível de escolaridade, acesso à informação, à cidadania; mas pode resultar em crescimento do desemprego e exclusão se os seus frutos foram gerenciados somente por poucos.

 

         Ao mesmo tempo esta universidade deve interferir sobre a profunda crise sócio-econômica de sua região e país. A incorporação econômica, social, cultural das maiorias em nosso país, a superação da apartação social e da concentração de renda devem ser do interesse da universidade. Por isso experiências como o Projeto Cansanção e o AISAM I e II tem que ser divulgadas e multiplicadas. Cansanção é um projeto de extensão que leva estudantes ao interior do estado para fazer um trabalho interdisciplinar com comunidades carentes. Serve tanto`a estas comunidades como aos estudantes que complementam sua formação. O Projeto AISAM trabalha soluções mais baratas e duradouras para o saneamento básico na Baixa do Camarajipe. Em Porto Alegre a UFRS fez convênios com a Prefeitura para reciclagem de professores.

 

         Quando se completa 50 ANOS, esta instituição deve olhar para o passado de nossa instituição e de nosso país, não de forma contemplativa, mas para nos impulsionar para o futuro. Um futuro que não abra mão de nenhuma das inovações técnicas e tecnológicas, que nos coloque com condições materiais e acadêmicas de poder competir em produção acadêmica com o resto do mundo. Mas também comprometidos com os problemas da imensa maioria da população, que com seu trabalho financiam as universidades públicas.

 

                   PENILDON SILVA FILHO

                   ESTUDANTE DE COMUNICAÇÃO DA UFBA

 

(artigo publicado no Jornal A Tarde em 1996)